sexta-feira, 27 de maio de 2016

Ultrassonografia e carcinoma de células transicionais em cães




Nos últimos dias acompanhei dois casos de possível neoplasia em bexiga. Em um deles, pude realizar uma ultrassonografia controle após tratamento para cistite e a imagem mudou completamente descartando a suspeita inicial de tumor e confirmando a suspeita de presença de coágulo. O outro caso já estava mais avançado, com comprometimento de ureteres e hidronefrose bilateral (mas também sem confirmação histológica). Então, achei oportuno escrever sobre o carcinoma de células transicionais (CCT).

O CCT é a neoplasia maligna de bexiga mais comum em cães. A localização mais frequente é o trígono vesical. A ecogenicidade costuma ser complexa, mais reduzida em relação à parede normal. A hidronefrose e/ou hidroureter são complicações que podem ocorrer em casos de neoplasias em bexiga. Um trabalho publicado na Veterinary Radiology and Ultrasound (Léveilée et al., 1996) comparou  radiografia contrastada e ultrassonografia na pesquisa de neoplasias de bexiga e comprovou que a ultrassonografia realmente é o melhor método para detecção de tumores na bexiga. As imagens descritas nos 15 animais do estudo variavam entre massas sésseis, únicas ou múltiplas,  invasivas ou não invasivas na parede; massas não invasivas pedunculares; e somente espessamento da parede na região do trígono. Algumas imagens podem ser confundidas com tumores (coágulos, cistite, cálculos). A extensão da lesão na uretra é melhor avaliada por meio de uretrografia retrógrada.

A citologia geralmente é suficiente para diagnóstico do CCT, porém existe uma possibilidade de implantação de células tumorais no trato da agulha da punção. Um artigo de 2002 (Nyland et al., 2002) relata alguns casos e sugere uso de sondagem uretral "traumática" para aquisição de células até que se saiba mais sobre a real frequência dessa complicação.

A ultrassonografia é, portanto, muito válida sempre que um paciente apresentar hematúria, estrangúria, incontinência... ou qualquer outro sintoma relacionado ao trato urinário e a minha sugestão é que o exame seja realizado antes mesmo do início de qualquer tratamento. Assim, podemos escolher o tratamento adequado e controlar o tratamento de forma mais objetiva. 



Bexiga de cão com espessamento e irreguluaridade na porção do trígono vesical. Possível neoplasia.

Presença de estrutura oval séssil, sem mobilidade, em parede dorsal de bexiga de cão (possível coágulo, bexiga normal após 7 dias de tratamento com antibiótico).


domingo, 15 de maio de 2016

Ultrassonografia e pancreatite em pequenos animais

A avaliação ultrassonográfica do pâncreas deve fazer parte de todos os exames abdominais, mesmo quando não há suspeita de alteração neste órgão.

O pâncreas normal é fino, amorfo e é pouco distinto do mesentério adjacente. Ele é dividido em corpo, lobo direito e lobo esquerdo.  O corpo fica caudal a região do piloro, craniomedial ao rim direito e ventral a veia porta. O lobo esquerdo sai do corpo e passa dorsocaudal ao antro do estômago e segue pela linha média. Durante o exame ultrassonográfico, ele costuma ser visto na região triangular que se forma entre o estômago, baço e rim esquerdo. O lobo direito sai do corpo e segue dorsomedial ao duodeno, ventrolateral à veia porta e ventral ao rim direito. Para entender melhor, olhem a ilustração com a localização anatômica e as imagens ultrassonográficas.

Ilustração da localização do pâncreas e das imagens ultrassonográficas do lobo direito e esquerdo.


O pâncreas é homogêneo e isoecogênico ou levemente hiperecogênico ao fígado. Em cães, o lobo direito é mais fácil de ser visualizado e pode medir de 1 a 3 cm de largura (1 cm em cães da raça Beagle). Em gatos, o corpo e lobo esquerdo são mais fáceis.  Em gatos, a espessura normal média é de 5,4 mm (lobo esquerdo), 6,6 mm (corpo) e 4,5 mm (lobo direito).

Lobo direito do pâncreas (seta) dorsomedial ao duodeno.

Lobo esquerdo do pâncreas (seta) seguindo pela linha média, dorsal ao baço (no triângulo entre baço, estômago, rim esquerdo/cólon).


A pancreatite é uma das principais afecções do pâncreas. Na pancreatite aguda, o pâncreas fica aumentado, irregular, hipoecogênico. Um pouco de efusão focal pode ser vista e aumento de ecogenicidade na gordura adjacente. Na maioria das vezes os cães sentem dor no momento do exame. Em algumas situações, pode ser que nenhuma alteração significativa seja vista ultrassonograficamente e isso não pode ser usado como regra para descartar pancreatite. Se isso ocorrer, o exame pode ser repetido após 2-4 dias. Exames repetidos também podem monitorar o tratamento.

Na pancreatite crônica, o pâncreas fica reduzido, com ecogenicidade  mista, pode ter aspecto nodular e pode haver mineralização e cicatrização do parênquima. O ducto pancreático pode ficar irregular devido à fibrose periductal.

Os sinais mais comuns são vômito, diarreia, anorexia, perda de peso (mais comum em gatos), febre e dor abdominal. Um estudo apresentado no ACVIM em 2014 mostrou uma correlação entre sinais clínicos e região afetada nos achados ultrassonográficos. Eles encontraram uma diferença estatística relacionando vômito com alteração no lobo esquerdo e diarreia com alteração no lobo direito (possivelmente pela proximidade do lobo direito com o duodeno e do lobo esquerdo com o estômago).

Outras afecções do pâncreas ficam para outro post ;-)

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Ultrassonografia e linfonodos SUPERFICIAIS em cães

Hoje eu encontrei novamente um artigo que tinha lido há muito tempo. Como eu escrevi esses dias sobre linfonodos abdominais, achei interessante colocar alguma coisa também sobre os linfonodos superficiais. 

O artigo é de Nyman et al. 2005 publicado na Veterinary Radiology and Ultrasound (Characterization of normal and abnormal canine superficial lymph nodes using gray-scale B-mode, color flow mapping, power, and spectral doppler ultrasonography: a multivariate study).   

Lá eles falam da importância  do estadiamento em pacientes com câncer e como a palpação dos linfonodos é muito subjetiva. Como havia pouca informação sobre os aspectos ultrassonográficos dos linfonodos em cães, os autores estudaram 318 linfonodos em 142 cães. Eles avaliaram linfonodos aumentados ou linfonodos que drenam uma região que tinha tumor; avaliaram também 100 linfonodos de animais saudáveis como controle. Todos com análise citologica e/ou histologica posterior.

Os linfonodos foram divididos em: normal, reativo, com linfoma, com metástase. Analisaram linfonodos axilar, inguinal, mandibular, superficial cervical e poplíteo. 

O artigo apresenta em tabelas todas as variáveis analisadas e o que se encontrou em cada grupo. Resumidamente, houve diferença significativa  na razão entre eixo curto/longo dos linfonodos normais vs. malignos. Os normais tinham formato mais oval. A média dos linfonodos normais foi 1,5 cm, dos reativos 2,0 cm, metastáticos 2,5 cm e linfoma 3,0 cm. Os normais eram isoecogênicos ao tecido adjacente, enquanto os malignos eram mais hipoecogênicos e com textura variada. Os reativos  tendem a ter ecogenicidade e ecotextura mista. O reforço acústico foi mais frequente nos malignos.

  • O linfonodo axilar foi o mais difícil de se encontrar nos animais normais. 
  • Linfonodos em animais com linfoma eram mais arredondados.
  • Os normais e reativos eram mais ovais. 
  • Os metastáticos tinham formas mais variadas (menores mais ovais e maiores mais redondos).
  •  Os normais tinham bordos mais difíceis de delimitar; os reativos e malignos tinham bordos mais nítidos (possivelmente pela infiltração do parênquima). 
  • A visualização de um hilo hiperecogênico não foi diferente entre benignos e malignos. 
  • A grande maioria dos linfonodos metastáticos e com linfoma eram hipoecogênicos em relação ao tecido adjacente.

O artigo tem muitas outras informações pra quem tiver interesse. Vamos começar a ultrassonografar mais esses linfonodos? ;-)

Fotos retiradas do artigo citado. O da esquerda, inguinal com linfoma; o da direita, pré escapular normal.

domingo, 1 de maio de 2016

A ultrassonografia e os linfonodos abdominais em pequenos animais

Os linfonodos fazem parte do sistema linfático e têm grande importância para o sistema imunológico, na apresentação de antígenos e sítio de localização de células do sistema imune. O corpo tem vários linfonodos e eles se localizam na rota dos vasos linfáticos.  

Durante o exame ultrassonográfico do abdômen, alguns linfonodos são comumente visualizados (ex. jejunais e ilíacos mediais) e outros aparecem melhor quando estão aumentados/alterados. A ecotextura normal é homogênea e são hipoecogênicos quando comparados à gordura do mesentério. 

Fiz dois desenhos esquemáticos para demonstrar os principais linfonodos do abdômen (ao longo da aorta e da veia porta). E abaixo, descrevo rapidamente a localização deles e que regiões eles drenam. 



Aorta e principais ramos. Em amarelo, os principais linfonodos: 1: renais; 2: aórticos; 3: ilíacos mediais; 4: hipogástricos; 5:sacrais. 

Veia porta e a localização de linfonodos abdominais: 1: hepático; 2: gástrico; 3: esplênico; 4: jejunais (mesentéricos); 5: pancreaticoduodenal; 6: cólico.

Lembrando que quando há aumento de um linfonodo (ou grupo de linfonodos), é importante saber que região eles drenam para tentar localizar de onde vem a lesão/inflamação/infecção. As vezes encontramos alterações em algum órgão e quando os linfonodos regionais estão alterados, isso nos dá mais suporte para direcionar o tratamento.

Os linfonodos podem estar aumentados por inflamação local, migração de patógenos (fungos, bactérias, vírus, protozoários) e estimulação do sistema imune. Outra causa bastante comum de aumento de linfonodos são as neoplasias. O linfoma é um exemplo de neoplasia que causa aumento generalizado de linfonodos e merece um post inteiro só pra ele...

O linfonodo hepático fica caudal ao hilo do fígado (porta hepatis), ao longo da veia porta e drena fígado, estômago, duodeno e pâncreas.

O linfonodo esplênico fica ao longo da veia esplênica e do lobo esquerdo do pâncreas e drena fígado, baço, esôfago, estômago, pâncreas e omento.

O linfonodo gástrico fica próximo ao piloro e drena diafragma, fígado, esôfago, estômago, duodenon, pâncreas e peritônio.

O linfonodo pancreaticoduodenal fica entre o piloro e o lobo pancreático direito, perto da flexura cranial do duodeno e drena duodeno, pâncreas e omento.

Os linfonodos jejunais ou mesentéricos ficam ao longo dos ramos vasculares do mesentério e drenam jejuno, ceco e cólon.

O linfonodo cólico fica perto da junção ileocolica e mesocólon e drena íleo, ceco e cólon.

Os linfonodos aórticos lombares ficam ao longo da aorta e drenam rins, adrenais, bexiga, próstata e ovários/testículos.

Os linfonodos ilíacos mediais, hipogástricos e sacrais ficam na região de trifurcação da aorta, entre a artéria circunflexa profunda e artérias ilíacas externas (medial), medial às artérias ilíacas internas (hipogástrico) e ao longo da artéria sacral média (sacral).

Os valores normais de comprimento e largura dos linfonodos de cães e gatos ficarão pra um próximo post.

Linfonodo ilíaco medial aumentado e heterogêneo.

Linfonodo ilíaco medial normal.