domingo, 19 de fevereiro de 2017

Presença de líquido livre abdominal, e agora?



O peritônio é a membrana que recobre os órgãos abdominais e ele tem uma pequena quantidade de fluido que lubrifica e reduz a fricção. O fluido normal é claro a levemente amarelado, com densidade menor que 1,016; proteína (2g/dL – basicamente albumina); 2000-2500 cel/ml – 50% macrófagos; sem fibrinogênio ou fibronectina. 

A efusão abdominal nem sempre é percebida no exame físico ou radiográfico. A ultrassonografia abdominal é um método sensível para a identificação de pequenas quantidades de fluido intra-abdominal. Após identificação da presença de líquido, pode-se realizar abdominocentese guiada por ultrassonografia para identificação do tipo e, possívelmente, da origem da efusão.

O fluido coletado deve ser colocado em tubos com EDTA (tampa roxa) e tubo sem anticoagulante (tampa vermelha) para caso de necessidade de avaliação microbiológica. Se o fluido não vai ser avaliado imediatamente, é interessante realizar um esfregaço no momento da coleta e enviá-lo com os tubos ao laboratório de escolha.

As carcterísticas físicas do fluido serão avaliadas  (transparência, turbidez, cor, odor, coágulos, fibrina, pH, densidade). A quantidade de proteína é analisada no supernadante após centrifugação. A contagem de células pode ser feita por diferentes métodos.

O fluido é classificado em transudato, transudato modificado ou exsudato. 

Os transudatos tem pouca proteína e poucas células. Efusões transudativas normalmente ocorrem por estase venosa (insuficiência cardíaca congestiva), insuficiência hepática, síndrome nefrótica e alguns casos de neoplasia.

Transudatos modificados ocorrem quando o aumento da pressão causada pelo transudato causa morte de células mesoteliais e aumento do número de células fagocitárias (ou seja, um transudato que ficou tempo suficiente para causar inflamação).

O exsudato tem mais proteínas e alto número de células nucleadas, geralmente por inflamação – mas hemoperitônio e quiloperitônio também são classificados como exsudato.

A avaliação citológica do líquido vai identificar qual o tipo de célula predominante e se há presença de células neoplásicas ou agentes infecciosos.

Outro dado que pode ser importante é o gradiente de albumina soro-ascite. Se faz a subtração da concentração de albumina da ascite e do soro. As ascites relacionadas à hipertensão portal (ex. cirrose, insuficiência cardíaca congestiva) tem gradiente maior ou igual a 1,1 g/dL e as relacionadas com pressão portal normal (pancreatite, síndrome nefrótica, ascite biliar, obstrução intestinal, entre outros) menor que 1,1 g/dL.

Outras análises podem ser realizadas (ex. concentração de creatinina ou lipase, entre outros).


As principais causas de líquido livre na cavidade abdominal incluem ascite (por insuficiência cardíaca ou cirrose), peritonite séptica, peritonite asséptica, hemoabdômen, uroabdômen, pancreatite, peritonite biliar, efusão quilosa, neoplasia, entre outros. 

Abaixo, alguns exemplos de imagens ultrassonográficas em diferentes situações em que podemos encontrar líquido livre abdominal em cães e gatos.

Presença de líquido livre. Observar o artefato de refração na porção cranial da bexiga (não confundir com ruptura de bexiga).

Paciente canino com hemoperitônio confirmado após abdominocentese.

Paciente canino idoso com ascite por insuficiência cardíaca congestiva.

Paciente canino com alterações bioquímicas e de imagem compatíveis com insuficiência hepática.
 
Paciente canino com uroabdômen por ruptura da bexiga (no centro da imagem, pouco repleta e com parede espessada).
Paciente felino com peritonite séptica. Na seta observa-se a agulha no momento da abdominocentese.