domingo, 17 de setembro de 2017

Ultrassonografia e obstrução intestinal

Alça intestinal dilatada e segmento posterior à dilatação com estrutura de interface brilhante, hiperecogênica e formadora de sombra acústica posterior


As imagens acima são de um paciente canino que foi levado para atendimento veterinário após algumas semanas de diarreia e emagrecimento. Durante o exame ultrassonográfico, foi visualizada uma porção do intestino com material hiperecogênico brilhante formador de sombra acústica posterior e leve dilatação de lúmen em segmentos craniais. Nesse momento, foi relatado que o animal comia de tudo, inclusive lixo. Ele foi encaminhado para cirurgia e o intestino estava repleto de lixo, plástico, plantas, etc...

Os corpos estranhos podem ter tamanhos e formas variadas. A presença de uma interface brilhante com forte sombra acústica posterior são altamente sugestivas de corpo estranho. As fezes no cólon também podem parecer corpo estranho, já que fezes compactas também formam sombra acústica. É importante observar se segmentos craniais ao material suspeito estão com acúmulo de gás e fezes, se há ileo paralítico (nesse caso mecânico) ou presença de peristaltismo não evolutivo.

Corpo estranho arredondado e estômago dilatado e com acúmulo de líquido e material particulado.

Nesse outro caso, o paciente apresentava vômito (sinal mais compatível com obstrução) e no exame ultrassonográfico, foi visualizada estrutura arredondada com forte sombra acústica posterior, além de acúmulo de conteúdo líquido particulado em estômago. Na cirurgia, foi encontrada uma bolinha de borracha.


Em 2011 foi publicado um artigo interessante (Veterinary Radiology & Ultrasound,  vol 52, n3, p248-255, 2011) -  comparando radiografia e ultrassonografia para o diagnóstico de obstrução mecânica do intestino delgado em cães com vômito. Nesse estudo, eles tentaram encontrar achados ultrassonográficos que fossem bastante indicativos de obstrução e que dessem mais confiança na hora do diagnóstico. A presença de fluido peritoneal não foi específica para obstrução, já que foi visto também em 20% dos não obstruídos. O número de contrações de intestino delgado e estômago também não foi específico, já que houve sobreposição entre os grupos (muitos pacientes não obstruídos apresentaram hipomotilidade por íleo funcional e hipermotilidade por causas não cirurgicas que causam vômito). Os exames ultrassonográficos foram mais precisos que os radiográficos. O estudo também frisou que encontrar uma alça de jejuno  dilatada (com diâmetro de serosa a serosa maior que 1,5 cm), com as camadas da parede normais, é um bom indicativo para que o examinador avalie cuidadosamente todo o abdomen em busca de obstrução mecânica de intestino delgado.

domingo, 28 de maio de 2017

Ultrassonografia e hérnias diafragmáticas



Hérnias diafragmáticas devem ser investigadas em qualquer histórico de trauma. O trauma pode ser recente ou ter ocorrido há vários anos. A confirmação diagnóstica pode ser realizada por radiografia (às vezes com necessidade de contraste) ou pela ultrassonografia. 

Em casos de trauma recente, há possibilidade de uso da técnica TFAST que é um acrônimo do inglês Thoracic Focused Assessment with Sonography for Trauma, técnica descrita por Gregory Lisciandro e que significa ultrassonografia torácica focada para trauma.

Nessa figura, a ilustração de um caso de felino com histórico de trauma e dispnéia que foi submetido a avaliação TFAST e a avaliação intercostal mostrou parte do fígado e estômago dispostos na mesma imagem e sobrepostos ao coração. Confirmação de ruptura de diafragma e hérnia diafragmática.


sábado, 15 de abril de 2017

Ultrassonografia e nódulos pulmonares

A ultrassonografia pode ser útil na detecção de nódulos pulmonares quando estes estão localizados na periferia do campo pulmonar. O nódulo causa uma ruptura focal da superfície refletiva do pulmão. Na maioria dos casos são bem circunscritos, hipoecogênicos (quase anecogênicos), e formam um ângulo agudo com a parede torácica. Em volta do nódulo, há tecido pulmonar aerado. O nódulo pulmonar se move com o resto do pulmão com o movimento da respiração.


Alguns outros diagnóstico diferenciais podem ser considerados, especialmente levando-se em conta o histórico do paciente. Os nódulos podem ser aspirados para confirmação diagnóstica de neoplasia (metástase pulmonar) por citologia.

Seguem alguns exemplos de nódulos pulmonares em paciente com crise dispneica aguda e presença de neoplasia mamária.

Nódulo circunscrito medindo 2 x 1,8 cm. Observa-se a sombra acústica produzida pela costela e a ruptura focal em ângulo agudo da superfície refletiva do ar no pulmão.

Presença de dois nódulos hipoecogênicos em parênquima pulmonar.

Nódulo medindo 0,7 cm em campo pulmonar periférico.

domingo, 2 de abril de 2017

Ultrassonografia e úlceras gastrointestinais

Esse mês, ou melhor, ontem (abril/2017), foi publicado um artigo muito interessante na revista “Journal of Small Animal Practice” (v58) sobre úlceras gastrointestinais em cães. É um assunto interessante pra mim porque tenho visto cada vez mais casos na minha rotina.

A úlcera é a ausência focal da mucosa gástrica ou intestinal. As principais causas de úlcera intestinal em cães são: administração de fármacos anti-inflamatórios não esteroidais e esteroidais (corticóides), ingestão de corpos estranhos, exercício físico intenso, neoplasias, doença intestinal inflamatória, doença hepática, uremia, dentre outras.

Os sinais podem variar desde os mais inespecíficos como inapetência, letargia, fraqueza, até abdomen agudo com muita dor, distensão abdominal, vômito. Em casos de suspeita de peritonite, esses pacientes são candidatos a cirurgia de laparotomia exploratória de urgência.  

Para detecção de úlceras por radiografia,  um dos sinais que pode causar suspeita é a presença de gás livre na cavidade (pneumoperitôneo) e para ver a úlcera em si, seria necessário o uso de contrastes (lembrando que o bário é  contraindicado quando existe a suspeita de perfuração e o exame radiográfico poderia retardar um diagnóstico mais rápido). A ultrassonografia é o método mais utilizado (a tomografia computadorizada também pode ser utilizada, mas pelo menos na minha rotina ainda está longe da realidade). 

Ultrassonograficamente, a úlcera é vista como um defeito na mucosa ao centro de uma área espessada na parede do estômago ou intestino contendo ecos (de tamanhos variados) que possivelmente representem bolhas de gás que se infiltram no defeito da parede.

Um dado importante é que líquido livre peritoneal pode ser encontrado tanto em úlceras não perfuradas como as perfuradas (mais comum na última) e gás livre somente nas perfuradas. Nos casos em que for possível coletar o líquido livre guiado por ultrassonografia, a presença de células brancas com bactéria intracelular é diagnóstica de peritonite séptica (claro, nem toda peritonite séptica é causada por úlceras – a união de vários dados clínicos, de imagem e laboratoriais é imprescindível). Também vale lembrar que a ecogenicidade do líquido livre NÃO é diagnóstica de peritonite, já que pode ser hiperecogênico OU anecogênico na peritonite).

Aos apaixonados por ultrassonografia como eu, recomendo a leitura do artigo na íntegra. Muito bom!


Abaixo registro alguns casos que tenho acompanhado. As suspeitas de úlcera gástrica e/ou intestinal não foram confirmadas por cirurgia, endoscopia ou necropsia.


Paciente canino com hematemese (vômitos com sangue) e histórico de ingestão de diclofenaco (anti-inflamatório não recomendado para cães). A imagem ultrossonográfica mostra área espessada, com descontinuidade da parede intestinal (seta branca) e vários pontos hiperecogênicos sugestivos de bolhas de gás em parede (setas amarelas). 

Paciente canina com vômito e diarréia com sangue. Na imagem de cima, porção do cólon menos afetada e abaixo, irregularidade da parede do cólon com pequenos pontos hiperecogênicos (bolhas de gás) permeando a parede.


Paciente canina com perda de peso. Nessa imagem do estômago, observa-se uma perda abrupta da delimitação das  camadas da parede. Exames de sangue evidenciaram doença renal e uremia.

Paciente canino com vômitos e muita dor abdominal. Na ultrassonografia, estômago com área de desestruturação das camadas parietais, com erosão e presença de gás.

Paciente com dor abdominal e inapetência.  Na ultrassonografia, espessamento focal e nodular da parede do estômago causando área de defeito em mucosa.





domingo, 19 de fevereiro de 2017

Presença de líquido livre abdominal, e agora?



O peritônio é a membrana que recobre os órgãos abdominais e ele tem uma pequena quantidade de fluido que lubrifica e reduz a fricção. O fluido normal é claro a levemente amarelado, com densidade menor que 1,016; proteína (2g/dL – basicamente albumina); 2000-2500 cel/ml – 50% macrófagos; sem fibrinogênio ou fibronectina. 

A efusão abdominal nem sempre é percebida no exame físico ou radiográfico. A ultrassonografia abdominal é um método sensível para a identificação de pequenas quantidades de fluido intra-abdominal. Após identificação da presença de líquido, pode-se realizar abdominocentese guiada por ultrassonografia para identificação do tipo e, possívelmente, da origem da efusão.

O fluido coletado deve ser colocado em tubos com EDTA (tampa roxa) e tubo sem anticoagulante (tampa vermelha) para caso de necessidade de avaliação microbiológica. Se o fluido não vai ser avaliado imediatamente, é interessante realizar um esfregaço no momento da coleta e enviá-lo com os tubos ao laboratório de escolha.

As carcterísticas físicas do fluido serão avaliadas  (transparência, turbidez, cor, odor, coágulos, fibrina, pH, densidade). A quantidade de proteína é analisada no supernadante após centrifugação. A contagem de células pode ser feita por diferentes métodos.

O fluido é classificado em transudato, transudato modificado ou exsudato. 

Os transudatos tem pouca proteína e poucas células. Efusões transudativas normalmente ocorrem por estase venosa (insuficiência cardíaca congestiva), insuficiência hepática, síndrome nefrótica e alguns casos de neoplasia.

Transudatos modificados ocorrem quando o aumento da pressão causada pelo transudato causa morte de células mesoteliais e aumento do número de células fagocitárias (ou seja, um transudato que ficou tempo suficiente para causar inflamação).

O exsudato tem mais proteínas e alto número de células nucleadas, geralmente por inflamação – mas hemoperitônio e quiloperitônio também são classificados como exsudato.

A avaliação citológica do líquido vai identificar qual o tipo de célula predominante e se há presença de células neoplásicas ou agentes infecciosos.

Outro dado que pode ser importante é o gradiente de albumina soro-ascite. Se faz a subtração da concentração de albumina da ascite e do soro. As ascites relacionadas à hipertensão portal (ex. cirrose, insuficiência cardíaca congestiva) tem gradiente maior ou igual a 1,1 g/dL e as relacionadas com pressão portal normal (pancreatite, síndrome nefrótica, ascite biliar, obstrução intestinal, entre outros) menor que 1,1 g/dL.

Outras análises podem ser realizadas (ex. concentração de creatinina ou lipase, entre outros).


As principais causas de líquido livre na cavidade abdominal incluem ascite (por insuficiência cardíaca ou cirrose), peritonite séptica, peritonite asséptica, hemoabdômen, uroabdômen, pancreatite, peritonite biliar, efusão quilosa, neoplasia, entre outros. 

Abaixo, alguns exemplos de imagens ultrassonográficas em diferentes situações em que podemos encontrar líquido livre abdominal em cães e gatos.

Presença de líquido livre. Observar o artefato de refração na porção cranial da bexiga (não confundir com ruptura de bexiga).

Paciente canino com hemoperitônio confirmado após abdominocentese.

Paciente canino idoso com ascite por insuficiência cardíaca congestiva.

Paciente canino com alterações bioquímicas e de imagem compatíveis com insuficiência hepática.
 
Paciente canino com uroabdômen por ruptura da bexiga (no centro da imagem, pouco repleta e com parede espessada).
Paciente felino com peritonite séptica. Na seta observa-se a agulha no momento da abdominocentese.